Violência no Discord – afinal, de quem é a culpa?

agosto 3, 2023

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Vivemos em uma sociedade violenta, não adianta só questionar as plataformas sem debater políticas sobre games

No último domingo (25), o Fantástico fez uma reportagem denunciando os crimes que acontecem rotineiramente no Discord, aplicativo de chat, voz e vídeo, projetado inicialmente para comunidades de jogos. A reportagem mostra casos de agressão, estupro e violência extrema contra mulheres, especialmente menores de idade. São casos perversos, mas que são apenas a ponta do iceberg de um universo que precisa de mais atenção do poder público.

(Divulgação/Reportagem exibida pelo Fantástico em 25 jun. 2023)

Células organizadas de extrema direita e grupos nazistas reinam nessas plataformas, e há diversas conexão com comunidades de jogos. Apontado pela reportagem, um dos criminosos preso é dono da PurpleHost e fundador da Enxada Host. Esses são servidores de jogos como Minecraft, game popular entre muitas crianças, como comentou o jornalista especializado Henrique Sampaio em seu Twitter

Mas não é por conta dos games que o discurso de ódio e o extremismo proliferaram – isso é, jogar videogame não é a causa. Dentro e fora das telas, eles são reflexo da sociedade violenta em que vivemos hoje. Estão no Discord, mas também estão no Twitter, no Telegram, em fóruns de comunidades, em chats ao vivo, estão por toda parte.

E como chegamos aqui?

É fato de que existe um projeto de radicalização de comunidades gamers, geralmente brancas, masculinas, cis e de classe média ou alta, para a extrema-direita. Processos como gamergate demonstraram como a extrema-direita consegue se aproveitar de pautas progressistas e antifascistas para criar um discurso à favor de um passado que nunca existiu: o passado de que os games sempre foram criados apenas para uma comunidade elitista. 

(Segundo estudo, 71% das mulheres já sofreram discriminação ao jogar e 32% já foram assediadas sexualmente)

Na reportagem “Discursos de ódio e antidemocráticos atingem o universo gamer no Brasil”, o professor Ivan Mussa explica que a inserção de discursos da extrema-direita em espaços gamers é realizada de forma indireta. “Eles aparecem colados a conteúdos de interesse geral dos gamers, direcionando sutilmente para que eles próprios tirem suas conclusões”.

Nesta seara, há o artigo “Extremists’ use of gaming (adjacent) platforms Radicalisation Awareness Network (2021)”, em que a pesquisadora Linda Schlegel afirma que há conteúdo extremista em quase todas as plataformas de jogos (adjacentes), de streams a humor sombrio, memes e apelos à violência. Mas também alerta que essas plataformas não são inerentemente perigosas

O problema é que pouco se discute sobre criminalização dentro de espaços de sociabilidade gamer, ou chats de jogos virtuais: crimes saem impunes, são poucos canais de denúncia efetivos, poucas políticas públicas focadas nesse campo. Percebemos isso apenas quando estes crimes vazam para a vida fora das telas. Mas, no fundo, esquecemos da natureza cíclica da sociedade: existe na internet porque existe na vida fora dela

Enquanto isso, muitos políticos seguem discutindo se games geram ou não violência. Uma percepção já muito ultrapassada, sem comprovação científica. E não é de hoje que se cria pânico moral em torno dos videogames e suas comunidades. O problema é que o pânico moral serve para desviar a atenção do problema principal – usar os jogos virtuais (ou plataformas) como bodes expiatórios é mais fácil do que debater os problemas reais que existem no universo dos games.

Temos que tomar cuidado ao encontrar o suspeito rápido: os games, o gamer, o discord. Senão, corremos o risco de não nos aprofundarmos realmente na questão. Para nós, ela é: não podemos fugir da luta pelos territórios e espaços de sociabilidade gamer, contra extremismos e violações dos direitos humanos.

Existe saída?

As soluções para esses tipos de crime não são tão simples como: devemos fechar o Discord, ou nunca mais devemos produzir games. Mas, certamente, um dos caminhos de que precisamos passa pela lente de políticas públicas.

Estamos perdendo grandes oportunidades para pautar esse tema. Por exemplo, o Projeto de Lei 2630/20, que fala sobre Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (conhecido como PL das Fake News), só atinge plataformas acima de 10 milhões de usuários como média mensal. Isso significa que não estão inclusos, por exemplo, Discord, Twitch, Steam, chats de consoles e outras plataformas.

É preciso, sim, regular as plataformas. E também precisamos discutir políticas públicas focadas na área. Precisamos colocar em pauta os videogames e sua relação com cultura, educação, esporte, geração de empregos, evolução tecnológica e promoção de diversidade e equidade. Temos que ocupar os espaços. Não podemos deixar que a extrema-direita exista, sem batalha, em locais tão vastos, e que seus valores sejam reforçados para a juventude.

Para isso, o Laboratório criou uma proposta na plataforma Brasil Participativo, para pressionar o Governo Federal na inclusão de programas e metas sobre o tema. Você pode apoiar essa causa e votar até o dia 14 de julho, aqui

Vote, mobilize sua comunidade e ajude a pressionar o governo. É preciso cortar as raízes desse problema.


Lígia Oliveira Coordenadora de Campanhas
Flávia Gasi Estrategista
Turmalina Campaigner
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