A importância das comunidades gamers para a democracia

agosto 12, 2022

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Imagine um mundo em que não falamos com amantes de futebol, porque futebol talvez seja considerado um hobbie infantil ou violento – basta que olhemos quantas faltas ocorrem em partidas decisivas. Pois é. Tentar comunicar no Brasil sem falar com adoradores do esporte mais popular do país parece ser um caminho impossível.

Agora, pense em gamers. Atualmente, o Brasil é o maior mercado de games da América Latina e do mundo, movimentando em torno de 11 bilhões de reais no ano passado, com um crescimento de 6% previsto para 2022, de acordo com a consultoria especializada da Newzoo. Muitos profissionais de futebol, inclusive, apostam cada vez mais no cenário de jogos digitais, especialmente em e-sports – como o argentino Sergio Agüero, CEO da KRÜ Esports, ou mesmo o Neymar.

Assim como no futebol, os jogos digitais também criam novas possibilidades de sonhar um futuro melhor, principalmente para as camadas mais vulneráveis da sociedade. Nos últimos anos, games mobile como o FreeFire vem modificando a forma como as periferias acessam aos jogos, contribuindo para uma democratização do ingresso nesse universo.

Conexão e sociabilidade

Para além dos e-sports, os jogos têm um potencial social ainda pouco explorado. Diferentemente do perfil que se imagina de um gamer, jogadores são diversos, de todas as camadas societárias, raças, idades, credos e orientações sexuais. Muitos esquecem que o que acontece no mundo também é refletido no que acontece nos games – seja na economia, na política ou no debate cultural. Por isso, usar jogos como uma plataforma de comunicação e conexão social é uma oportunidade potente. Seja em campo, em casa, no transporte público, no videogame, celular ou no PC, os games têm a força de criar experiências em nossas vidas.

Quem pensa que se joga sozinho, pode estar um pouco longe da verdade. Seja com os amigos, a pessoa parceira ao lado ou assistindo aos streamers favoritos, os gamers estão sempre acompanhados. Como qualquer produto cultural, jogos digitais geram diálogos, laços, tramas e afetos. Para isso, não importa se você tem um computador de última geração, ou se você está em uma lan house. O espaço do game também é o espaço para comunidades, grupos, clãs e guildas, para trocar informações, ajudar os amigos, compartilhar conhecimento e afinidades – e até debater sobre política.

Formação política

Uma pesquisa realizada pela Luminate, em janeiro deste ano, aponta que os jovens na América Latina estão se politizando cada vez mais por canais alternativos. Esqueça os partidos ou as instituições políticas tradicionais, muitos jovens apontam que começaram a ganhar consciência política a partir de comentários e opiniões de pessoas que seguiam nas redes sociais, ou de influenciadores que gostavam. Os games são espaços sociais complexos, e apesar disso, poucas organizações de causas sociais têm olhado para esse universo com a atenção necessária.

O problema é que existe um perigo nessa ausência: há de se lembrar que a criação dos games tem raízes militarizadas, e que foram das comunidades de jogos digitais que saíram os primeiros criadores e formuladores da atual alt-right (“direita alternativa”, grupo extremista de ódio, em ascensão por todo o mundo). Na associação desses dois fatores, as regras do jogo ruem: ela cria a convicção de que gamers precisam existir em um local violento, não necessariamente dentro do jogo, mas fora dele, nos espaços de comunidade. Assim, o videogame é um espaço em disputa: entre aqueles que prezam por processos democrático; apoiadores de sistemas fascistas e proto-facistas; e uma maioria que não sabe o que pensar sobre política – qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. E, nos games, a extrema-direita também está falando mais alto.

É por isso que precisamos de mais vozes democráticas pautando conversas nesse universo. É claro que, falar sobre política em comunidades de jogos digitais tem consequências adversas: perseguições nas redes sociais e na vida material; queda de espectadores (caso seja uma pessoa criadora de conteúdo); e, muitas vezes, banimentos de contas. Isso acaba fazendo com que muitas pessoas se ausentem do debate político. E muitos que poderiam ser aliados nessa disputa, como as organizações sociais, têm algumas impressões equivocadas sobre esse público – por muito tempo, as comunidades gamers foram tratadas como infantis, ou até satânicas, e apontadas por uma suposta apologia à violência, sendo que não há evidências científicas de que games tenham um impacto direto na violência do mundo. Chegou o momento de quebrar estereótipos e unir forças.

Neste cenário, é preciso recuperar o ser político das comunidades de videogames para promover a valorização de sua participação social e de seus valores democráticos. É preciso relembrar às comunidades gamers de seus princípios de diálogo, de seus ideais colaborativos, de sua postura heroica e de suas vozes democráticas. Não podemos mais fingir que games não têm um impacto tão grande neste país, assim como partidas e times de futebol.


Igor Nogueira Campaigner Parceira
Flávia Gasi Estrategista Parceira
Lígia Oliveira Coordenadora de Campanhas
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